O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?

📌 Você vai ler nesta página:

   - 🧩 Uma resposta muito resumida
   - 🌍 Por que há tantos autistas atualmente?
   - 📘 Mas o que é o DSM ?
   - 🧠 O que é o CID e para que serve?
   - 🔎 Como é feito o diagnóstico do autismo?
   - Afinal, quantas pessoas com autismo há no Brasil?
   - 📊 Emissão da CIPTEA por Estado (dados até 2025)
   - 🔎 Continue lendo sobre o TEA


🧩 Uma resposta muito resumida

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a organização de pensamentos, sentimentos e emoções. Caracteriza-se por déficits na comunicação e interação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos, além de sensibilidade a estímulos sensoriais. Ele não é uma doença, mas sim uma condição — uma forma diversa de funcionamento neurológico. Cada pessoa autista é única e pode apresentar diferentes níveis de suporte. Algumas das características comuns a todas as pessoas com TEA, incluem:

   - ✔️ Diferenças na comunicação social
   - ✔️ Sensibilidades sensoriais
   - ✔️ Interesses intensos e focados

O termo espectro indica a variedade de manifestações do TEA. Perceba que estamos falando de espectro e não de gradiente, porque não existe um autismo leve e outro severo, mas características diferentes de um mesmo transtorno.
   → saiba mais aqui: O que é o Espectro Autista


🌍 Por que há tantos autistas atualmente?

Não, o número de pessoas autistas no Brasil não está aumentando e não está havendo nenhuma epidemia de autismo no mundo. O que está ocorrendo é um processo de conscientização sobre o TEA, seus sintomas e comorbidades, em paralelo a um aumento do acesso a diagnóstico.

As pesquisas sobre autismo são relativamente recentes, no campo da medicina, e a forma como se entende o TEA mudou muito nos últimos 100 anos, desde sua identificação nos anos 1940, quando foi descrito quase ao mesmo tempo por dois médicos: Leo Kanner, nos Estados Unidos, e Hans Asperger, na Áustria.

Inicialmente, o conceito era bem restrito e associado a comportamentos considerados “incomuns” na infância. Por muito tempo, o autismo foi confundido com esquizofrenia infantil — como aparece, por exemplo, no DSM-I de 1952.

Não há problemas se você nunca ouviu falar em DSM. Saiba que ele é o principal manual usado pela psiquiatria?


📘 Mas o que é o DSM ?

Trata-se da publicação oficial da Associação Americana de Psiquiatria (APA) e é uma das principais ferramentas utilizadas por profissionais da saúde mental para o diagnóstico e classificação de transtornos mentais e do neurodesenvolvimento. O manual é atualizado periodicamente para incorporar os avanços científicos e as mudanças na compreensão clínica e social sobre saúde mental, por isso você encontra referências ao número após a sigla. Atualmente, estamos no DSM-5.

Em sua primeira edição, o DSM-I, foi publicado em 1952 e classificava o autismo como uma forma de esquizofrenia infantil, dentro do capítulo de “Distúrbios Reacionais” e embora o termo “autismo”, em si, não tenha sido usado, há descrições de sintomas compatíveis com o que hoje entendemos como o TEA, especialmente nos casos de crianças com retraimento social, comunicação afetada e comportamentos repetitivos, apontando o caso como uma forma de esquizofrenia precoce.

A segunda edição do manual, o DSM-II, foi publicado em 1968, sem que o autismo seja mencionado diretamente como diagnóstico por nome, entretanto, usa o termo “autístico” pela primeira vez na descrição da esquizofrenia infantil, ainda que já reconhecesse a existência de certos padrões de comportamento — como o afastamento social precoce, a linguagem idiossincrática e fixação por objetos.

Foi somente em 1980 com a publicação do DSM-III que o autismo passou a ser reconhecido como um transtorno distinto, com critérios diagnósticos próprios, separados da esquizofrenia infantil. Essa mudança foi fundamental para o desenvolvimento de uma compreensão mais precisa e ética sobre o espectro autista. Essa versão do manual traz uma mudança significativa na forma como o autismo era compreendido pela medicina: ele passou a ser classificado dentro de uma nova categoria chamada Transtornos Pervasivos do Desenvolvimento (TPD), que reunia condições marcadas por prejuízos generalizados na comunicação, na socialização e no comportamento.

O DSM-III estabeleceu, ainda, critérios objetivos e clínicos para seu diagnóstico, como por exemplo, a exigência de surgimento dos sintomas antes dos 30 meses de idade, a presença de déficits graves na linguagem verbal e não verbal, a presença de dificuldades persistentes na interação social e de comportamentos repetitivos e estereotipados. Essa nova abordagem representou uma ruptura com a visão que atribuía o autismo a fatores emocionais ou ambientais, como a polêmica (e ridícula) ideia da “mãe-geladeira”. Com isso, profissionais da saúde mental passaram a poder distinguir com mais clareza o autismo de outros transtornos psiquiátricos, especialmente da esquizofrenia infantil, e a considerá-lo como uma condição do desenvolvimento neurológico, contribuindo para uma maior visibilidade do autismo como condição única.

Em maio de 1994 foi publicado o DSM-IV, que trouxe uma ampliação da categoria dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (Pervasive Developmental Disorders – PDD). Enquanto que na versão anterior do manual, o autismo era reconhecido como um transtorno distinto único, o DSM-IV introduziu uma classificação em subtipos:

   - Transtorno Autista
     - Síndrome de Rett
     - Transtorno Desintegrativo da Infância
     - Síndrome de Asperger
     - Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (PDD-NOS)

Essa expansão permitiu o início de diagnósticos mais específicos e personalizados, adaptados às características de cada pessoa, reconhecendo a diversidade das manifestações clínicas mas sem usar ainda a classificação como espectro.

A publicação do DSM-5 em 2013, uniu essas categorias em um único termo, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e reconheceu que não há divisões clínicas claras entre os subtipos elencados no DSM-4, causando uma mudança profunda na forma como o autismo é diagnosticado e compreendido pela medicina. Isso porque cada um daqueles subtipos tinha seus próprios critérios diagnósticos e isso frequentemente causava confusão clínica e falta de consistência no diagnóstico, afinal, possibilitava que duas pessoas com sintomas muito semelhantes pudessem receber diagnósticos diferentes, a depender do médico ou da instituição. Além disso, a divisão em subcategorias não refletia a complexidade e a variabilidade das manifestações do autismo.

O DSM-5 trouxe uma nova abordagem, que parte do princípio de que o autismo não pode ser entendido como uma coleção de condições separadas, mas somente como um espectro contínuo, com diferentes níveis de suporte e apresentações clínicas. Em vez daquelas categorias fixas, agora o diagnóstico passa a considerar dois domínios principais:

   1. Déficits persistentes na comunicação e na interação social
   2. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades

Essa versão do manual também introduziu o conceito de níveis de suporte, classificados de 1 a 3, para indicar a quantidade de suporte necessário para cada pessoa dentro do espectro autista, e também incluiu especificadores clínicos que permitem descrever melhor o perfil de cada pessoa (por exemplo, se há ou não deficiência intelectual ou comprometimento na linguagem).

Ao abandonar os rótulos fixos como Asperger ou PDD, o DSM-5 refletiu os avanços na pesquisa científica até a primeira década do Século XXI e tornou o diagnóstico mais claro, consistente e inclusivo, promovendo uma compreensão mais flexível e respeitosa da neurodiversidade ao reconhecer que cada pessoa autista é única, com suas próprias formas de se comunicar, aprender e interagir com o mundo.

Para além das mudanças técnicas, precisamos destacar que o uso do termo Asperger é desincentivado por questões éticas, devido às descobertas históricas sobre o envolvimento de Hans Asperger com o regime nazista. Assim, a comunidade científica e médica tem adotado o termo TEA como uma forma mais inclusiva e ética de se referir à condição: o perfil que antes seria diagnosticado como Asperger passou a ser apresentado no TEA com nível 1 de suporte.

Evite citar o nome daquele nazista safado, está bem? Não existe Síndrome de Asperger, existe o autismo com nível 1 de suporte.Mais recentemente, em 2022, a Organização Mundial da Saúde adotou o CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), onde também é usado o termo “espectro” e reforça essa visão mais ampla e integrada.


🧠 O que é o CID e para que serve?

A Classificação Internacional de Doenças (CID) é o sistema de codificação oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1948, com a publicação do CID-6. Ela é utilizada para padronizar diagnósticos, organizar estatísticas médicas e orientar políticas públicas. Sua versão mais recente, o CID-11, foi oficialmente adotada a partir de 2022.

Não confunda o CID com o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: os dois sistemas são frequentemente utilizados em conjunto, mas possuem objetivos diferentes, uma vez que o CID fornece os códigos usados para registrar essas condições identificadas pelo DSM em documentos oficiais, como sistemas de saúde e políticas públicas, como a CIPTEA.

A primeira versão do CID foi criada pelo médico francês Jacques Bertillon e publicada em 1893 com o nome de Lista Internacional das Causas de Morte. Assim como o DSM , ao longo do século XX o CID foi expandido para incluir todas as doenças conhecidas, tratando também dos transtornos do neurodesenvolvimento.

O autismo foi incluído pela primeira vez de forma clara no CID-9 de 1977, e em 1992, no CID-10, passou a ser classificado sob a categoria dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, o que levava a diagnósticos inconsistentes ou imprecisos. A transição para o CID-11) em 2022 marcou uma mudança muito importante na forma como o autismo agora deve ser compreendido e classificado, mesmo que o CID-10 ainda seja utilizado em muitos sistemas de saúde.

Essa mudança de paradigma fez com que o autismo passasse a ser compreendido como uma condição única e contínua, reunindo todos aqueles diagnósticos sob o termo Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Em vez de categorias fechadas, o CID-11 adotou uma abordagem dimensional, que permite descrever com mais precisão as características de cada pessoa autista, oferecendo especificadores clínicos que ajudam a indicar, por exemplo, se há presença de deficiência intelectual, se a pessoa possui linguagem funcional ou se outras condições estão associadas. Seus códigos diagnósticos não precisem ser decorados, mas cumprem um papel essencial na documentação, prontuários e estatísticas de saúde, de modo mais coerente do que era feito até então, como você pode ver nesta tabela comparativa entre os CIDs 10 e 11 para o autismo:

CID-10 Descrição CID-11 Descrição
F84.0 Autismo infantil 6A02.0 TEA sem deficiência intelectual e com linguagem funcional preservada
F84.1 Autismo atípico 6A02.2 TEA sem deficiência intelectual e com linguagem funcional prejudicada
F84.5 Síndrome de Asperger 6A02.0 (equivalente funcional ao nível 1 de suporte)
F84.2 Transtorno desintegrativo da infância 6A02.Y Outro transtorno do espectro do autismo especificado
F84.8 Outros transtornos globais do desenvolvimento 6A02.Y (dependendo das características clínicas específicas)
F84.9 Transtorno global do desenvolvimento não especificado 6A02.Z TEA não especificado

🔎 Fonte: Genial Care – Códigos F84 no CID-10
🔎 Fonte: Tismoo – Códigos do CID-11 para TEA


🔎 Como é feito o diagnóstico do autismo?

Infelizmente, não é possível diagnosticar o TEA por um exame único e direto, como um exame de sangue ou de imagem. Seu diagnóstico é construído a partir de entrevistas, aplicação de testes padronizados e da análise do histórico de vida da pessoa, com base nos critérios atualmente estabelecidos pelo DSM-5 e o CID-11.

No caso de crianças, o diagnóstico deve envolver uma equipe multidisciplinar — composta por psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais — que irá avaliar seu desenvolvimento social, emocional e da linguagem, aplicando instrumentos clínicos padronizados como a ADI-R – Autism Diagnostic Interview-Revised,uma entrevista detalhada com os pais ou cuidadores sobre a infância da criança, e a ADOS-2 – Autism Diagnostic Observation Schedule, uma observação direta do comportamento da criança em situações estruturadas e semi-estruturadas.

Quando se trata de adultos, como ocorreu comigo, o diagnóstico é mais desafiador, já que assim como eu, muitos autistas aprendem ao longo da vida como mascarar seus sinais do espectro, para se adaptar socialmente. Mas não se engane, o diagnóstico é libertador pra adultos.

Neste caso, a avaliação envolve entrevistas clínicas, a análise de documentos como registros escolares, a coleta de relatos familiares, e a aplicação de instrumentos padronizados, como o RAADS-R – Ritvo Autism Asperger Diagnostic Scale-Revised e o AQ – Autism Spectrum Quotient. São testes que ajudam a identificar traços consistentes com o espectro autista, mesmo em pessoas que não receberam diagnóstico na infância.

Ao final, o processo que também é chamado de diagnóstico tardio consiste em três passos simples para a obtenção de dois documentos que o formalizam:

   - Primeiro vem o encaminhamento, que pode ser realizado por uma psicóloga ou até pelo pedagogo escolar, se for o caso. No entanto, estes profissionais não fazem o diagnóstico, nem solicitam diretamente os testes clínicos. O que pode fazer é elaborar um relatório pedagógico ou psicológico detalhado, requisitando a avaliação com profissionais da área da saúde;

   - O segundo passo é a obtenção do relatório neurológico, um documento descritivo que vai ser elaborado por neurologistas ou neuropsicólogas. Ele é bem detalhado e chega a ter mais de 20 páginas ( o meu, tem 26) apresentando o histórico clínico do paciente, os sintomas observados, a análise das suas respostas aos testes aplicados e a evolução de seu caso. Você pode encontrar um modelo no site da ATO Diagnósticos, que esta disponível como exemplo;

   - Por último, em posse do relatório neurológico deve-se procurar um médico psiquiatra ou neurologista para obtenção do último documento, que é o laudo médico . Este é um documento simples, se comparado ao relatório neurológico, e que atesta o diagnóstico com base em critérios clínicos e observações. Este é o documento com validade legal que comprova a condição da pessoa com TEA e que será usado na garantia de seus direitos legais.

Você pode encontrar uma explicação mais detalhada sobre a diferença e a função do relatório neurológico e do laudo médico no site da Memed. De posse do laudo, é importante que a pessoa proceda com seu cadastro para obtenção da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA). Este é um passo importante, tanto para facilitar o acesso aos seus direitos, como para a estatística responsável pelo planejamento de ações de saúde pública direcionadas ao TEA.


Afinal, quantas pessoas com autismo há no Brasil?

Atualmente, nosso país ainda não possui dados oficiais precisos sobre o número de seus habitantes com TEA, o que dificulta a construção de uma política de inclusão efetiva e de ações de planejamento para a saúde pública, além da garantia do acesso a terapias pelos convênios particulares. Ainda assim, é possível fazer uma estimativa a partir de fontes oficiais, como por exemplo, o número de CIPTEAs emitidas por cada unidade da Federação (a CIPTEA é emitida por Estados e municípios), já que não há uma estatística única federal:

📊 Emissão da CIPTEA por Estado (dados até 2025)
Estado Total de CIPTEAs Emitidas Fonte Oficial
AcreNão há estatística oficialAgência de Notícias do Acre
Alagoas+3.800 carteiras (até maio/2023)SECDEF
AmapáNão há estatística oficialPortal do Governo do Amapá
Amazonas+9.000 carteiras (até abr/2025)Agência Amazonas
BahiaNão há estatística oficialCIPTEA Bahia
CearáNão há estatística oficialPortal do Servidor do Ceará
Distrito Federal+18.500 carteiras (até 2024)Canal Autismo
Espírito SantoNão há estatística oficialPrefeitura de Vitória
GoiásNão há estatística oficialGoverno de Goiás
MaranhãoNão há estatística oficialGoverno do Maranhão
Mato GrossoNão há estatística oficialSETASC-MT
Mato Grosso do SulNão há estatística oficialSEAD-MS
Minas GeraisNão há estatística oficialGoverno de Minas Gerais
ParáNão há estatística oficialSESPA
ParaíbaNão há estatística oficialFUNAD
Paraná36.081 carteiras (até fev/2025)Agência de Notícias do Paraná
PernambucoNão há estatística oficialGoverno de Pernambuco


No total, temos 204.190 CIPTEAs emitidas no Brasil até o momento, sendo que o Censo Escolar de 2023 aponta um total de 636 mil alunos autistas matriculados . São dados preocupantes, porque não batem: temos mais do triplo de autistas em idade de formação escolar, identificadas pelo Censo, do que portadores da Carteira que os identifica. Entretanto, é preciso notar que as informações da tabela acima correspondem a emissão da CIPTEA por somente 7 estados entre as 26 Unidades Federativas. Sendo assim, temos 19 estados que ainda não apresentam dados oficiais acessíveis.

Se levarmos em conta a estimativa da OMS de que 1% da população mundial é autista, teremos uma população com cerca de 2 milhões de pessoas no TEA no Brasil: mesmo se tratando de uma estimativa, são números que reforçam a gravidade da falta de acesso ao diagnóstico e documentação adequada em nosso país.


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