Por que investigar as Histórias em Quadrinhos?
O interesse pela base de pesquisa vem de um laço muito pessoal: me alfabetizei aos 5 anos de idade, com uma revista de histórias em quadrinhos do Homem-Aranha publicado pela antiga editora EBAL, na sala da casa de meus avós. E nunca mais parei de ler.
As Histórias em Quadrinhos apresentam um retrato do mundo e da sociedade em que foram geradas, pertencendo ao contexto histórico-Cultural de sua produção. Não são, portanto, geradas de forma isolada de influência por seus autores (VERGUEIRO, 2006).
Mas o que é uma História em Quadrinhos?
Trata-se de uma forma de contar histórias a partir de uma ideia simples: posicionar uma imagem ao lado da outra, ilustrando a passagem do tempo.

A lenda do menino amarelo
Em 17 de fevereiro de 1895, o jornal “New York World” publicou aquela que é considerada por muitos pesquisadores como a primeira tirinha em quadrinhos, de autoria de Richard F. Outcault, The Circus Down Hogan’s Alley. Não havia ainda os balões de fala ou pensamento, mas a tirinha contava com um protagonista, the yellow kid ou "o menino amarelo", que vestia uma camisola onde sua "fala" aparecia escrita.

Entretanto, em 30 de janeiro de 1869 nas páginas do jornal “Vida Fluminense”, o italiano radicado no Brasil, Ângelo Agostini, publicou sua tira intitulada “As aventuras de Nhô Quim, ou impressões de uma viagem à corte".
A tira carioca retratava a viagem de um caipira para conhecer a vida na côrte do Rio de Janeiro, enquanto a estadunidense satirizava a vida dos imigrantes nos cortiços de uma Nova York na virada do século XIX para o XX. À parte da disputa, é correto afirmar que ambas expressavam o contexto social histórico em que foram produzidas.
Por outro lado, essa disputa pela primeira história em quadrinhos deve levar em consideração a participação de outros atores, como:
* Rodolphe Töpffer (1799/1846), com seu livro Histoire de Mr. Jabot, publicado em 1833;
* Katsushika Hokusai, que em 1814 traz o termo mangá
Além disso, temos a questão dos vitrais que contam a via-sacra nas igrejas católicas, uma forma de arte sequencial sem balões ou texto narrativo.

A tapeçaria Baieux (c. 1070-1080), com seus 70 metros de comprimento e 50 cm de altura, é um dos maiores documentos imagéticos da Idade Média. Trata-se de um bordado em linho feito para comemorar a vitória e a conquista normanda da Inglaterra em 1066, com cenas repletas de realismo, proporcionando uma excelente noção não só de como se fazia a guerra no século XI, mas também sobre qual o tipo de vida dos nobres e guerreiros, suas roupas e armas, sua comida e castelos, por exemplo.
Não se trata de uma narrativa gráfica, como uma História em Quadrinhos?

Podemos regredir no tempo à vontade: dos vasos gregos às pinturas egípcias, até alcançarmos a pré-história, encontraremos exemplos de uso do desenho como forma de contar histórias.

Não faz muito sentido, portanto, discutir a origem das Histórias em Quadrinhos em estudos que analisam sua influência como mídia de comunicação em massa. Aqui, o boom industrial dos anos 1830 na Inglaterra e as mudanças sociais que levaram ao aumento da literacia de uma classe operária, que passa a ter disponibilidade financeira para entretenimento, juntamente com as melhorias das técnicas de impressão com a prensa móvel, deram origem ao Penny Dreadful (ou penny horrible, penny awful, penny number, e penny blood).
Trata-se de um tipo de revista de ficção que se tornou bastante popular na Grã-Bretanha do século XIX, uma opção acessível às novelas seriadas como as de Charles Dickens, que custavam cerca de 1 shilling cada. Eram impressos em papel de polpa de madeira com histórias seriadas de ficção sensacionalista e horror, eram dirigidas ao público masculino da classe trabalhadora. Entre 1830 e 1850 existiram mais de 100 editoras de pennies.
Seguindo este modelo, em 1896 passou a ser publicado em território estadunidense aquilo que ficou conhecido como Pulp Fiction: impressos em papel amarelado de polpa de madeira, com cerca de 135.000 palavras por exemplar e sem nenhuma ilustração além da capa, as revistas de Pulp Fiction geraram a ficção científica e a fantasia moderna, publicando autores como Isaac Asimov, Julio Verne, Edgar Rice Burroughs, Robert E. Howard, H.G. Wells e H.P. Lovecraft, para citar alguns.
Enquanto as tirinhas de humor continuavam a ser publicadas nos jornais (o que explica terem sido designadas como comics), a ficção científica se desenvolvia nas revistas Pulp. Seu encontro foi marcado em 1928, com a adaptação das aventuras de Tarzan para os quadrinhos, iniciando o período que ficou conhecido como "A Era de Ouro".
Em 1933, o conto Armageddon 2419 A.D., de Phillip Francis Nowlan, que havia sido publicado na edição de agosto de 1928 da revista Amazing Stories, editada por Hugo Gernsback, foi também adaptado para os quadrinhos tornando "As aventuras de Buck Rogers" a primeira tirinha de ficção científica.
O sucesso trouxe em 21 de agosto de 1993 a estréia de Brick Bradford, de William Ritt, seguido pelo avassalador sucesso de Flash Gordon em 1934. em 17 de fevereiro de 1936, Lee Falk lança "O Fantasma", primeiro herói dos quadrinhos a vestir um uniforme e uma máscara sem pupilas visíveis, que oculta sua identidade.
Com o sucesso das vendas dos jornais nos dias em que as tirinhas de comics eram publicadas, os editores passaram a compilar esse material no formato de revistas, as comic books, vendidas separadamente nas bancas de jornal. Em junho de 1938, o primeiro super-herói surgiu nas páginas de estréia da revista Action Comics.
Teve início uma tempestade de criadores e editores de revistas de Histórias em Quadrinhos nos EUA, quer tornaram a "Era de Ouro" uma época prolífica para os Super-Heróis, em que aproximadamente 85% da população jovem dos EUA lia suas histórias (JONES, 2005).
Em 1954, a publicação do livro Seduction of the Innocent pelo psiquiatra Fredric Wertham trouxe o fim da "Era de Ouro", a perseguição a autores e o fechamento de editoras como consequência do Macartismo, e o nascimento do Comics Code Authority.
Em 1956, as editoras sobreviventes viram o surgimento da "Era de Prata" com a publicação do número 4 da revista Showcase, trazendo a versão modernizada do super-herói Flash, da editora DC Comics. Em 1960, a editora Marvel Comics inicia a publicação de seus personagens.
Não há uma data comumente aceita para o fim da "Era de Prata" e existem diversas possibilidades tanto para seu término:
* O ano de 1969, quando foram publicadas as últimas revistas com preço de capa de 12 cents;
* Abril de 1970, quando Julius Schwartz, responsável por iniciar a "Era de Prata", abandonou o cargo de editor da revista Green Lantern em favor de Denny O'Neil e Neal Adams;
* Junho-julho de 1973, quando foi publicada a história The Night Gwen Stacy Died. Nela, Gwen Stacy, a então namorada do super-herói Homem-Aranha, é morta. A morte de Stacy representaria o fim da inocência dos leitores e das histórias mais leves que haviam marcado o período.
A "Era de Bronze" compreende as publicações lançadas entre o fim da "Era de Prata" (década de 1970) e o início da década de 1980, estendendo-se até aproximadamente o ano de 1985, quando foi substituída pela "Era do Ferro", até o fim da década de 1980 e a chamada "Era Moderna", em vigor até hoje.
O escritor Grant Morrison, entretanto, sugere em seu livro Supergods que 1970 marcou o início não da "Era de Bronze", mas sim de uma "Era Sombria", que se estendeu além de 1985 e foi marcada pela tentativa de "levar o mundo real para as histórias em quadrinhos".
Cada vez mais, os estudos sobre Histórias em Quadrinhos vêm conquistando espaço no campo de pesquisas em educação. Algumas referências básicas podem ser consideradas:
DORFMAN, Ariel; MATTELART, Armand; DE MOYA, Álvaro. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. 2002.
JÚNIOR, Gonçalo. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964. Editora Companhia das Letras, 2004.
RAMOS, Paulo; VERGUEIRO, Waldomiro. Quadrinhos na educação. Editora Contexto, 2013.
EISNER, Will. Narrativas gráficas. São Paulo: Devir, v. 168, 2005.
MCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos 2ª ed. 2005.
DANTON, Gian. A divulgação científica nos quadrinhos: análise do caso Watchmen. 1997. Tese de Doutorado. Tese de Mestrado. Curso de Pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Em http://watchmencaos.blogspot.com/2014/.
DANTON, Gian. Ciência e quadrinhos. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
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